terça-feira, abril 25, 2006

Com ambas as mãos segurando os quadris do animal, Maciel ia tornando tenro o acém. Concentrando todas as suas energias no cruzamento das duas raças, o padre não reparou numa aura dourada que surgia no cimo da estrebaria, e quando levantou a cabeça em jeito de culminar o acto, deparou-se com a figura imponente da Virgem Santa.
Maciel parecia não acreditar no que os seus olhos viam, e mais boquiaberto ficou quando a imagem lhe falou no mais doce dos tons, na mais pura e cristalina das vozes:
-Meu bom pároco, sinto uma luta enorme no seio da tua alma. Compreendo o teu sentimento de repugna pela sociedade, mas este rumo que agora escolheste para a tua vida não é solução para os teus problemas. Serás muito mais útil espalhando a palavra de Deus, ensinando aos teus semelhantes os trilhos que devem seguir...
Maciel ainda tentou argumentar, mas a imagem já se tinha esfumado no horizonte.Foi aí que o padre, incitado pela aparição, resolveu escrever ao bispo da Guarda que ficava apenas a dois dias de viagem, a pedir que o colocasse em sítio incerto para espalhar a palavra do Criador. Volvidos nove dias, recebeu a missiva com a resposta: foi-lhe designada a vila fronteiriça de Vilar Formoso, que por força da sua proximidade com Espanha e com os sarracenos corria o risco de perder os já poucos cristãos que possuía. Não perdeu tempo, e logo no dia seguinte pôs-se a caminho mais o seu fiel Sebastião. Pelas suas contas levaria uns três dias, talvez quatro a lá chegar, pelo que teve que se abrigar das noites numas pousadas que ia encontrando pelo caminho. Na primeira noite descansou na Pousada do Augusto, um sítio recatado e acolhedor que mereceu na manhã seguinte os mais rasgados elogios ao seu dono por parte do padre.

quinta-feira, abril 13, 2006

Do lado direito era observável a harmonia de um rebanho de ovelhas, pastando no remanso do seu verde prado, sempre acompanhadas do fiel Sebastião, um imponente e belíssimo Serra da Estrela que naquele tempo seguia Maciel por tudo quanto era canto. Mais adiante estavam as vinte e cinco cabeças de gado bovino que serviam de ganha-pão ao sacerdote, que de economias apenas possuia a recordação. O cenário completava-se com uma magnífica vista do lago e do pomar de laranjeiras que o rodeava, tornando-o um local deveras aprazível e convidativo à meditação, onde Maciel, de resto, passava as suas tardes entregue a ociosos pensamentos sobre a razão da sua existência.
Começava então a lida matinal. A época não era de descanso, mas sim de árduo e afincado trabalho: estávamos no período de reprodução do gado, altura em que Maciel vastas vezes tinha de fazer o papel de boi junto das mais insaciáveis rezes fêmeas, ávidas de algo que preenchesse o diâmetro das suas cavidades genitais. Era nestas ocasiões que o presbítero aproveitava para manter as suas qualidades técnicas em bom nível.
Nesse dia, como em tantos outros, Maciel dirigiu-se para a estrebaria fazendo valer os seus vastos conhecimentos zootécnicos. Escolhendo aleatoriamente uma vaca castanha de raça Barrosã, o padre arriou as ceroulas e introduziu o seu esplendoroso bisnau.

terça-feira, abril 04, 2006

2º Episódio - Convento de Vilar Formoso


Dois anos levou Maciel a ordenar o seu espírito; dois anos que, longe do profano e podre mundo dos Homens, lhe permitiram fazer uma profunda viagem ao âmago do seu ser, às raízes da sua essência e ao centro da sua cognoscência.
Melancólico e agastado, Maciel lentamente ia caindo na cascata de desilusões que lhe devassavam a alma. A água já não corria das fontes, os passarinhos não mais construíam os seus ninhos, os dias tornavam-se noites e os rios corriam para um mar de lamúrias, incertezas e pensamentos apocalípticos.
À beira do descalabro, Maciel já não acreditava que a mãe Natureza pudesse retomar a alegria de outrora, até àquela bela manhã em que o sol de novo sorriu para o bom pároco. Tudo se passou assim, e Deus é testemunha de que este humilde escriba à verdade não está a faltar: Maciel acordou, como habitualmente com o cantar do galo, conhecia o dia a sua aurora. A sua anatomia genital matinal obrigava-o a dormir de costas, a modos que, quando se levantava, o seu corpo visto de lado assemelhava-se a um pionés hirto e pontiagudo. Ao abrir a porta principal da casa, deparou com a habitual vista da Quinta dos Anjos, local escolhido para o seu exílio espiritual.