
1º Episódio - Rosalina de Barqueiros
Esta história foi passada ao papel durante muitos, longos e árduos dias, o primeiro dos quais quando eram passados oito dias no sexto mês do ano da graça de mil novecentos e noventa e cinco, data essa que, pelos mais altos desígnios da divina providência, havia de ficar tão célebre como o milagre de Fátima, tão falada e comentada como o casamento de sua alteza, El-Rei Dom Duarte de Bragança. Os vindouros falariam desse dia como se de uma viragem histórica se tivesse tratado, como se nada mais de marcante ou heróico houvesse para contar neste país pequeno de terras e de número de gentes, mas grande de almas e de nobreza, bem como de espírito de resistência e abnegação voluntária, tão férteis e comuns no nosso povo. Vou-vos falar de algo de que poucos tomaram conhecimento ao tempo da sua realização, de algo que de timidez e de excitação fez levantar a celestial verga de todos os santos que povoam o mui nobre mosteiro dos Jerónimos, de algo que, segundo as mais ousadas crónicas, fez erguer até o sagrado carcamano de Nosso Senhor Jesus Cristo, que ele também foi homem deste tipo de sensações e imprevisibilidades, não tivesse ele sido humano durante 33 anos.
"Maciel, ou a vã glória de enrabar"
Mais ágil que um marsupial, devastador como o mais maquiavélico dos bandidos, Maciel era falado em todo o Reino por graça das suas artes de galanteamento e da sua bondade no mais íntimo dos segredos, que é o da confissão. Era uma figura distinta, o célebre padre: a sua fronte serena e calma, parca de borbulhas e de outros defeitos da carne, não deixava transparecer os sentimentos de volúpia e relações carnais que a toda a hora percorriam o universo das suas ideias. Alto e esguio, apenas se notando uma protuberância saliente da batina de cada vez que as devotas lhe pediam aconselhamento ou a purificação reconfortante da sua benção, o pároco era uma lenda viva que calcorreava os altares e sacristias do séc. XIX. Filósofo nestas questões, Maciel não se considerava um pecador, antes mesmo se achava um modelo a seguir, um paradigma para jovens seminaristas, um exemplo para garanhões em início de carreira, que os mais velhos possuem já técnicas e artimanhas por demais desenvolvidas. Curiosamente (ou talvez não, se tivermos em conta os fraternais laços de amizade que uniam o prior Maciel à Raínha de Portugal), o heróico padre nunca fizera parte de um auto-de-fé, senão como instigador das achas da fogueira, ou como clemente pelos pecados dos outros ou outras.
Era um típico caso de justiceiro social este padre, que tanto ajoelhava entre as suas pernas a mais nobre dama da corte, como punha de gatas e a gemer com satisfação a mais plebeia das megeras. Lábios doces, pintados e perfumados se abriam para sentir cada variz do pau de sobreiro de Maciel, como lábios feios, secos e gretados o receberam com igual prazer, sem que isso desse menos gozo ou prazer ao concupiscente sacerdote. Maciel não desejava, acima de tudo, que o conotassem com São José (como aliás se fazia na época, em relação a outros sacerdotes, menos hábeis nas artes da persuasão e do engate), que ele foi marido de mulher que atingiu a maternidade sem perder a virgindade, para isso precisando unicamente da semente que Deus lhe teria incutido, ao invés do produto da masculinidade do seu marido. Que este assunto de as virgens parirem é controverso, lá isso é, e é esse o motivo que Maciel encontrou para as desflorar a todas, para que elas, sendo virgens não corram o risco de filhos parir, desonrando assim as virtudes de seus maridos ou amantes.
1 Comments:
Pena é, assim dirá, quem esses caminhos correu, e porque não quis ser ateu, seus apetites,
fielmente adormeceu...
E por tantas vezes pensar, em devotas confessar, teve mesmo de fazer, confessandas emprenhar.
Mas teve bem que fugir,
e da paróchia sair,
para não se dar o caso,
de às balas sucumbir.
Agora mais sossegado,
com o facho saciado,
prepara nova demanda,
em novo e belo condado.
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